martes, 27 de mayo de 2008

Salada


Cheguei da praia,
Tirei areia do furico,
Comi sopa de letrinha e caguei livros!

Antes literatura de merda
Que vomitar arrogância.
Não tem ciência moderna
Que me tire a demência.
Nem cagando tenho paciência
Pra vaziar a cabeça!

Se meleca não tem cheiro de nariz,
Nem gosto de giz,
Me diz... O que cheirar para ser feliz?

O demagogo come o povo com pão e ovo!
O pobre chora pó e pedra.
Mas... Turbas são incontroláveis?
Nem mesmo num sonho remoto!
Já inventaram policia, TV e voto!

Dê mais orgia, Demagogia!
Nos dê ração, minha nação!
E liberdade!! (pra encher minha garagem)
E uma mulher!! (Pra meter onde quiser)

De olhos vermelhos e dentes podridos,
Eu sou viciado... me dá um trocado?
Bebi seu chorume, pedaços de tudo,
Tão podre ele eeraaaaa...
Morri moribundo!!

Urubu da cabeça branca,
Satanás que não comeu carniça,
Comeu o miolo dos baianos e achegados,
Por exemplo, Jorge Amado.
Belisca os olhos fisgados pela tela
E vem sugando o Spaghetti encefálico.
Também usa de minhoca a engenhoca estatal
Pra pescar os peixes grandes e fortalecer o curral.
A ambição é exclusiva do animal racional!

Os demônios fazem o inferno na terra
E morrem mais em paz que Jesus.
Enquanto isso rico é quem tem leite
Pra tomar no cuzcuz.
A maioria toma no cú sem enfeite,
Vivendo a treva e vendo a luz.
Apocalipse hoje do peão que não tem pão e nada em pus.

sábado, 24 de mayo de 2008

Porco Voador


Porco Voador

Imagine um ser humano que, aos sete anos de idade biológica, passa a viver na rua e ser tratado como parte natural dela. Esse é Hermes, segundo sua mãe biológica, mas a mãe rua lhe deu o nome de Calado. Na rua não se fala muito, as conversas são “curtas e grossas”, em geral, mas Calado fazia jus ao nome fantasia que seus pares lhe deram, era o silêncio em pessoa, se comunicava quase sempre por atos, em geral, música.
“Só gosto de falar com a flauta.” “Aprendi no circo.” Estas foram as palavras que Calado mais repetiu na vida. E ele era moreno, cabelo liso estragado, sujo e meio claro por causa do sol, ninguém duvidava que ele realmente tivesse aprendido no circo. Não construía nenhuma conversa longa, sempre se distraía, como se perdido em pensamentos, e começava a tocar umas notas soltas. Muitas pessoas não gostavam de ficar perto dele por achá-lo maluco, calado demais. Outras gostavam da música, que acabava servindo de trilha sonora para longos momentos de confissão (sem muitas palavras, apenas momentos), afinal, os sons que saiam da boca dele não se preocupavam com nomes.
Tocava bem, não músicas muito conhecidas, mas sempre expressivas. Tristeza, solidão, felicidade, paz, impaciência, angústia, todas bem expressadas, como se interconectadas. Agradecia sempre as moedas com uma seqüência de três notas leves, como um passarinho.
Calado tinha um porquinho de colocar moedas, do tamanho de uma jaca média. Ninguém sabia. Ele escondia no meio das pedras da praia que surgiam quando a maré estava bem vazia. Dois sacos bastavam para que ele não enchesse d´água.
De todo dinheiro que Calado recebia durante a semana, tocando flauta nos ônibus, ele só gastava o dinheiro da comida e o da maconha. Quando a quantia em moedas economizadas alcançava 5 reais ele trocava por uma nota. Cada vez que maré vazia coincidia com uma madrugada sem chuva ele colocava todo o dinheiro economizado em forma de nota no porco, fumava um baseado bom para comemorar e dormir olhando as estrelas, se o movimento da rua lhe desse paz o suficiente para isso. “A vida na rua não lhe dá tanto tempo para olhar as estrelas quanto se imagina”, pensava Calado tocando Paz num ritmo que a noite fez.
Quando o porco já estava a negar notas, Calado comprou um sabonete, tomou um banho e lavou as roupas na beira do mar, de madrugada. Ás nove da manha, de barba bem limpa e com um cheiro de sabonete que alegrou algumas pessoas em seu caminho, rumou com o porquinho na rua, dentro de um saco de supermercado, seu novo lar. Calado rumou ao centro comercial da cidade, sem tocar flauta nesse dia, evitou os ônibus de costume para não causar estranhamento.
Ninguém estranhou sua entrada no prédio comercial, sua aparência era de um homem simples e bem limpo, apesar do corpo com jeito de usado. Subiu todas as escadas lentamente, cruzou só com um rapaz funcionário do prédio, que descia rápido as escadas. Ao chegar ao décimo quarto andar, saiu para o terraço, já conseguiu na primeira das alternativas. Ele tinha três prédios em vista, e gostou de conseguir no primeiro.
O vento era relativamente forte e ele percebeu que não conseguiria usar os fósforos. Foi até a lateral do terraço, olhou para baixo e sentiu que podia ver mais claramente do que imaginava. As pessoas iam se acumulando na calçada enquanto os carros passavam num fluxo continuo. O sinal vermelho para os carros durava 90 segundos.
Calado olhou durante uns 20 minutos, a quantidade de pessoas na rua aumentou, chegavam a serem 25 a esperar de cada lado da calçada, gerando um pequeno congestionamento, coisa bastante parecida com a que acontecia com os carros. Calado tirou o porco do saco, sentiu medo de que estivesse leve, mas não estava. Pouco tempo antes de o sinal fechar jogou porco de lá de cima, em direção a multidão.
“O porco, cheio de dinheiro, pensa que voa enquanto ruma aceleradamente para se destruir e levar consigo algum inocente. Os inocentes que não foram atingidos pulam com sentimento de alegria e surpresa ao verem, depois de um estrondo, uma nuvem de dinheiro se espalhar por sobre suas cabeças. O inocente atingido agoniza e morre no chão enquanto alguns poucos que estavam mais próximos tentam lhe ajudar.”. E assim pensa Calado.

Pablo Arruti (26/08/2006)

Sobe e desce de montanhas



Sobem grandes pedregulhos,
Que mais parecem cupinzeiros.
E meu pai sofre e é lesado,
Ele amava seu bem estar.
Todo nosso relevo foi mudado!

Se tudo a minha volta agora é pó
Não me sinto mais tão em casa,
É tanta gente agora que me sinto só.

No aconchego solitário ficamos.
As vezes até dançamos de felizes.
Como saber de onde o medo emerge?
Difícil saber o que me protege...

O que esta acontecendo?
Nada que já vi hoje vejo.
Morrendo está minha vista,
Mas não pelo fato de perdê-la,
Dói saber que não a usarei.

martes, 13 de mayo de 2008

A filosofia é,
No alto de uma montanha,
um salão de discursos e discussões.
O caminho até lá é muito grande e cansativo,
dessa forma, poucos sobem.
Porém, são bastante privilegiados
os que vêm a paisagem lá de cima.
E os discursos acabem sendo tão lindos e sinceros!
Ecoam pelo ar e depois de muito tempo
alcançam a humanidade lá embaixo.

Os homens são inconsciente platéia
Que se torna coro das mesmas divinas palavras
Durante gerações de gerações.

Que pena que a vida dos homens bons
É mais curta que vida dos sons.
Por isso os filósofos nunca ouvem as suas palavras
Cantadas em coro.

Paraíso



Recebido por diversos pais
Um bonito outro um pouco mais
Não existe homem ou animal
Tudo está no mesmo carnaval

O verde é no mais, bonzais gigantes
Gatos ratos brincam, com elefantes
A lua flerta o sol, do lado de cá
Quando ele vem chegando, foge pra lá

Este é um paraíso escondido
No meu pensamento está perdido
Penso nele antes de apagar
Durmo aqui acabo indo pra lá

Este paraíso está perdido
No meu pensamento escondido
Penso nele antes de ir pra lá
Durmo aqui acabo de apagar

Não existe a curva do horizonte
Não ha meios de se chegar lá
Fruta é do pé, água da fonte
Mas não é porque vou precisar

Mar de coqueirais, infinito
Relógios parados, sem sentido
Vivo uma aventura, a cada segundo
Pois quem pensa vive, aqui neste mundo

Este é um paraíso escondido
No meu pensamento está perdido
Penso nele antes de apagar
Durmo aqui acabo indo pra lá

Este paraíso está perdido
No meu pensamento escondido
Penso nele antes de ir pra lá
Durmo aqui acabo de apagar

Fiapos

Cabeludo hein?!
Cabeludo...
Com a barba sempre por fazer!
Mas foi ela que não quis aparecer.
Só no queixo, mó desleixo pra crescer.
Cabeludo e com barba por fazer.

Curioso, inquieto, encucado,
Atirando pra todo lado,
Pensando só pra dizer:
Cabeludo e com barba por fazer!
Digo que quero ajudar
Sem saber
Se embaixo do cabelo vai brotar, vai nascer,
Um diferente de tudo, se mudo ou se vou morrer
Cabeludo e com barba por fazer.

Sorria!

Você sorri todo o tempo
Parece não ter porque
A causa do teu sorriso
É que o sorriso é você

Já te conheci sorrindo
Seu riso não sei do que
Parecendo estar fingindo
Sorrindo só preu lhe ver

Como pode ser tão lindo
Sorriso sem ter porque?
O riso vai te seguindo
Feliz por ser em você

E se eu me pego pensando
Quão bom foi te conhecer
Você me pega sorrindo
E logo me contamina
De riso só por você!

martes, 6 de mayo de 2008

O porco gordo peidando e a sardinha enlatada. (2007)







Mauricio D’allembert é empresário. O que é um empresário? Aquele que se ocupa de uma empresa? Pode ser... No caso de Maurício são 2 empresas, que ele dirige diretamente de seu escritório, na Barra. Maurício mora na Amaralina, de segunda a sexta trabalha das 9:00 às 19:00. 10 horas de ocupação diárias menos 2 horas de almoço = 8 horas de trabalho, um trabalhador comum! Permanece sentado em frente ao seu computador e seus telefones, munido de celular e Pager, tratando de negociar preços com fornecedores, cobrar resultados de seus funcionários, realizar pagamentos, mandar e-mails, dentre muitas outras tarefas. Ou seja, Maurício é um homem ocupadíssimo.
Estando sentado boa parte dos últimos 20 anos, Maurício adquiriu uma forma física bastante característica da maioria dos homens de negócios como ele: 120 quilos perfeitamente distribuídos entre o pescoço e o quadril, fora a cabeça (que cabeça!), braços e pernas! A três anos ele comprou um carro que considerava compatível a sua figura, além de confortável e, apesar dele não ligar muito para essas coisas, lindo: uma Cherokee. É verdade que o tamanho do carro incomodava um pouco no começo e os meninos de rua sempre corriam em direção a ele, pensando, coitados, que Maurício tinha dinheiro (“se eles soubessem quanto custa a gasolina do papai aqui não me pediriam um centavo”, Maurício costuma repetir), mas ele se sentia muito bem olhando tudo lá de cima. Vai e volta todos os dias do trabalho sozinho, escutando sua música.
Jesus de Jesus é pedreiro. Trabalha desde os 15 anos na construção civil. No momento ele está trabalhando na construção de um prédio na Barra, junto com outros 55 como ele, fora os patrões de várias patentes. Por coincidência, vejam só, também mora na Amaralina, a 500 metros edifício Mansão Reagan, ilustre moradia de Maurício. Ou seja, de segunda a sexta eles fazem o mesmo trajeto, apesar de que Jesus trabalha no sábado. Ele mora no Nordeste de Amaralina, para ser mais exato, numa casa de 10mX18m, uma das maiores e mais bem construídas da cercania, que caberia muito facilmente na sala de jantar de Maurício.
Jesus sempre trabalhou muito com o corpo, o que lhe fez forte e magro. Todo o dia pela manhã pega um ônibus com mais 50 pessoas e faz o trajeto em 1 hora, de pé. Paga 3,40 por dia para ir e vir, feliz por só precisar pegar um ônibus (o último trabalho eram 2, já houveram de três) e receber dinheiro referente ao transporte para dois.
Certo dia eu atravessava uma rua, o trânsito completamente engarrafado, quando vi, emparelhados, o ônibus de Jesus (ou o nosso ônibus que ele usava naquele momento) e a Cherokee de Maurício (comprada à vista com desconto). Tinha acabado de conversar com um amigo sobre poluição e pensei: “Puta que pariu...Aquele gordo sacana vai sozinho, de ar condicionado ligado, num carro que consome mais combústivel e emite mais poluição que a desgraça, enquanto aquelas 50 pessoas vão ultra-enlatadas naquele lata velha caindo aos pedaços. Que merda!”
Porque algumas pessoas, só porque são mais ricas, têm o direito comprar carros gigantes e luxuosos e contribuir muito mais com a poluição enquanto a grande maioria absoluta tem que aceitar ônibus superlotados? Porque não podem os ricos contribuir mais com o transporte de todos, já que eles são os mais favorecidos, para que todos tenham um transporte de qualidade média e a sociedade não destrua mais o mundo? É fato que quem trabalha mais ganha menos e quem tem mais trabalha menos.
Milhões de carros, cada vez mais pesados, estão sendo construídos nesse momento. Muitos deles vão ser usados por uma pessoa sozinha, que polui por 5. Continue se matando de trabalhar e compre um carrão de luxo, contribua você também com o diabo! Eu prefiro andar de ônibus. Tenho coragem de assumir as conseqüências de minha consciência. E você?

Transplante cerebral (2007)


Era o primeiro dia após meu transplante de cérebro. Estava no corpo de um outro, da minha idade, que teve morte cerebral. Eu tive morte corporal, só sobrou minha cabeça, cega, mas inteirinha. Transplantaram-me pra um corpo até que bem conservado.
Eu ainda não estava ciente daquele meu novo corpo, estava fora de mim e fora dele ainda. Os meus olhos, entreabertos, tremelicavam livres de minha imatura vontade sobre eles, na frente dos meus olhos parados em direção a uma parede azul pálido decorado com a circoncisione de Pollock, algo de Wagner entrando em meu ouvido, som no qual eu não conseguia me concentrar muito assim como a pintura. Ainda estava semi-vivo.
Depois que tive consciência de estar em frente a aquele quadro, me senti totalmente seguro. Ainda alucinado, misturando momentos de fantasia, umas tristezas bem rápidas, uma impaciência quanto ao tempo que parecia se multiplicar várias vezes quando eu começava a tentar medi-lo (fazendo a retrospectiva dos meus pensamentos, que sempre pareciam ser articulados dentro de círculos) e, nos momentos mais felizes, querendo relaxar dentro daquela sensação que nunca havia provado, o inebriante de se saber estranho no próprio corpo; o quadro fora acerto meu com os médicos, antes da operação, deveria ser o que me tiraria daquele sonho gigante no qual fui induzido a entrar pelos anestésicos. A música seria ligada por eles após a abertura de meus olhos; esse procedimento foi repetido, ao acordar dos meus últimos 30 sonos profundos naquele meu antigo corpo morto.
Depois de quinze minutos entraram minha mulher, minha mãe e meu médico no quarto. Foram dois dias de coma profundo, sonhos longos que se desfaziam e me desesperavam durante uns minutos antes de perceber-me enquanto sonhante e me lembrava pelo que estava passando. Ali tive a sensação de chorar de alegria, por alguns segundos, mas a falta de olhos e lágrimas me esfriavam o peito; a imagem não vale tanto quanto sentir uma gota quente escorrer pela cara. E eu não senti, e logo me acostumei com aqueles que estavam em suspense por conta de meu destino amalucado, tive pena deles sentirem pena de mim.
Comecei a sentir como se montanhas se movessem, paredes fossem trituradas entre mim e aquelas pálpebras. As minhas pálpebras passavam a serem minhas lentamente, crescendo de importância a cada nova sensação de controle sobre elas. Era necessário fazer muito esforço só para me manter neste exercício estranho, mas apesar do meu cansaço eu não era capaz de parar. Comecei por interferir no nível de tremelicação sobre elas: quanto mais concentração nos olhos, mais tremelicação. Com o tempo elas começaram a se abrir mais, o suficiente para que eu percebesse que as pálpebras eram o menor dos problemas, os olhos mortos quase que sem movimento eram a própria angustia em carne de olho. E se eu não agüentava mais tal exercício, as pálpebras baixavam, eu tinha que fazer outro esforço abissal, agora para fugir daquela imagem congelada e imaginar, abstrair o máximo possível.
Tudo foi muito difícil, mas o transplante foi um sucesso. Agora, em pé e funcionando quase que perfeitamente (fora alguns tics que não sei se herdei ou criei), posso dizer que sou normal. Não fosse esse pau que cresceu uns três centímetros e me dá vergonha de mim mesmo e essa sensação de, quando toco nele, estar tocando num pau que não é o meu... Ah! Não fossem esses dois detalhes, eu estaria ótimo!

sábado, 3 de mayo de 2008

Carta Parricída (2006)


Pai, mato-te hoje por revanche. Sim, não tenho outro motivo que esta revanche avessa. Revanche sim, por ter me tirado do nada, do vazio que eu era e que não me incomodava, e me colocado num mundo estranho; o presente que me deu foi esta ladeira para baixo que é a vida, rumo ao precipício negro da morte. Pai, espero assim devolver-te para o lugar de onde me tiraste.
Porque, pai, resolveste ter um filho? Gostavas da vida ou acreditavas que eu poderia servir-te de consolo, uma ocupação, um brinquedo para te distrair dessa desgraça que também havias recebido de um outro inconseqüente? Foi isto, pai? Confirma-se a minha suspeita de que, cansado desta vida, entediado ou mesmo triste, resolveste colocar um outro neste mesmo caminho tortuoso e assistir como se virava?
Pois foi o azar em pessoa que criaste. Não o azar meu, que nasci azar e por isso não me incomodo; azar seu. Porque, ao contrário de tu, não tenho noção de mal ou bom, bizarro ou comum. Tu, ao contrário, segue com esta máscara do bom e normal; por detrás o medo da consciência de ser também mal e bizarro lhe devora a lucidez dia a dia. Eu sou marcado pelo seu pedaço podre, sou a tua treva viva. Por isso lhe presenteio o fim; não sei o que será realmente de ti, mas acredito que não terás mais medo. Sou seu azar por ser louco, como dizem todos, e por acreditarem todos ser minha loucura culpa sua; até você acredita ser culpado. Já eu acredito que não seja assim, mas não sei como é em verdade e minhas hipóteses são apenas o que são, hipóteses; assim seguimos, eu perdido, tu sofrendo e todos a julgar-nos. Por isso mato-te pai, não por revanche, por piedade.
Revanche talvez seja por achar que toda paternidade é imposição e os homens costumam acreditar que uma imposição pode ser respondida com outra. E existirá melhor vingança à paternidade que tirar-la a força? Eu não acredito em vingança, em revanche; para mim parece como considerar a vida um jogo de perde-ganha entre os homens, e eu não enxergo dessa forma. Se a vida fosse um jogo, e talvez seja, todo ele se dá dentro de mim, os outros homens são peças do jogo e não jogadores. Mas isso não importa; chamei de revanche, de presente piedoso, mas na verdade pai, te mato por que assim quero, é uma vontade apenas, uma jogada.
Esta minha carta suicida é o certificado de tua morte como pai. Escrevo-a num momento de estranha ansiedade e por capricho deixei que as palavras se deitassem sem corretivos. Peço desculpa pela minha inconsistência, mas tu já estas acostumado. Minha loucura foi seu azar, seu brinquedo machucou-te, e agora disparo uma bala na cabeça na esperança de voltar a minha paz da pré-vida, da qual me tiraste, inconseqüente! Mas perdou e até tenho pena de ti, da tua inconseqüência e ingenuidade. Minha despedida da vida é tua morte enquanto pai. Adeus, não sofras mais, estou apenas voltando para onde não deveria ter saído.