sábado, 24 de mayo de 2008

Porco Voador


Porco Voador

Imagine um ser humano que, aos sete anos de idade biológica, passa a viver na rua e ser tratado como parte natural dela. Esse é Hermes, segundo sua mãe biológica, mas a mãe rua lhe deu o nome de Calado. Na rua não se fala muito, as conversas são “curtas e grossas”, em geral, mas Calado fazia jus ao nome fantasia que seus pares lhe deram, era o silêncio em pessoa, se comunicava quase sempre por atos, em geral, música.
“Só gosto de falar com a flauta.” “Aprendi no circo.” Estas foram as palavras que Calado mais repetiu na vida. E ele era moreno, cabelo liso estragado, sujo e meio claro por causa do sol, ninguém duvidava que ele realmente tivesse aprendido no circo. Não construía nenhuma conversa longa, sempre se distraía, como se perdido em pensamentos, e começava a tocar umas notas soltas. Muitas pessoas não gostavam de ficar perto dele por achá-lo maluco, calado demais. Outras gostavam da música, que acabava servindo de trilha sonora para longos momentos de confissão (sem muitas palavras, apenas momentos), afinal, os sons que saiam da boca dele não se preocupavam com nomes.
Tocava bem, não músicas muito conhecidas, mas sempre expressivas. Tristeza, solidão, felicidade, paz, impaciência, angústia, todas bem expressadas, como se interconectadas. Agradecia sempre as moedas com uma seqüência de três notas leves, como um passarinho.
Calado tinha um porquinho de colocar moedas, do tamanho de uma jaca média. Ninguém sabia. Ele escondia no meio das pedras da praia que surgiam quando a maré estava bem vazia. Dois sacos bastavam para que ele não enchesse d´água.
De todo dinheiro que Calado recebia durante a semana, tocando flauta nos ônibus, ele só gastava o dinheiro da comida e o da maconha. Quando a quantia em moedas economizadas alcançava 5 reais ele trocava por uma nota. Cada vez que maré vazia coincidia com uma madrugada sem chuva ele colocava todo o dinheiro economizado em forma de nota no porco, fumava um baseado bom para comemorar e dormir olhando as estrelas, se o movimento da rua lhe desse paz o suficiente para isso. “A vida na rua não lhe dá tanto tempo para olhar as estrelas quanto se imagina”, pensava Calado tocando Paz num ritmo que a noite fez.
Quando o porco já estava a negar notas, Calado comprou um sabonete, tomou um banho e lavou as roupas na beira do mar, de madrugada. Ás nove da manha, de barba bem limpa e com um cheiro de sabonete que alegrou algumas pessoas em seu caminho, rumou com o porquinho na rua, dentro de um saco de supermercado, seu novo lar. Calado rumou ao centro comercial da cidade, sem tocar flauta nesse dia, evitou os ônibus de costume para não causar estranhamento.
Ninguém estranhou sua entrada no prédio comercial, sua aparência era de um homem simples e bem limpo, apesar do corpo com jeito de usado. Subiu todas as escadas lentamente, cruzou só com um rapaz funcionário do prédio, que descia rápido as escadas. Ao chegar ao décimo quarto andar, saiu para o terraço, já conseguiu na primeira das alternativas. Ele tinha três prédios em vista, e gostou de conseguir no primeiro.
O vento era relativamente forte e ele percebeu que não conseguiria usar os fósforos. Foi até a lateral do terraço, olhou para baixo e sentiu que podia ver mais claramente do que imaginava. As pessoas iam se acumulando na calçada enquanto os carros passavam num fluxo continuo. O sinal vermelho para os carros durava 90 segundos.
Calado olhou durante uns 20 minutos, a quantidade de pessoas na rua aumentou, chegavam a serem 25 a esperar de cada lado da calçada, gerando um pequeno congestionamento, coisa bastante parecida com a que acontecia com os carros. Calado tirou o porco do saco, sentiu medo de que estivesse leve, mas não estava. Pouco tempo antes de o sinal fechar jogou porco de lá de cima, em direção a multidão.
“O porco, cheio de dinheiro, pensa que voa enquanto ruma aceleradamente para se destruir e levar consigo algum inocente. Os inocentes que não foram atingidos pulam com sentimento de alegria e surpresa ao verem, depois de um estrondo, uma nuvem de dinheiro se espalhar por sobre suas cabeças. O inocente atingido agoniza e morre no chão enquanto alguns poucos que estavam mais próximos tentam lhe ajudar.”. E assim pensa Calado.

Pablo Arruti (26/08/2006)

3 comentarios:

João dijo...

esse eu ja havia lido, mas parece estar um pouco mudado, foi?

Carís dijo...
Este comentario ha sido eliminado por el autor.
Carís dijo...

Achei muito interessante,achei muito criativo tambem.Fiquei pensando do pq ele teria jogado seu dinheiro e me veio várias razoes,assim como tu tens as tuas tbm..adoro ler algo que me faz pensar e faz ter vontade de me meter na historia..
quero ler mais sobre Calado.