martes, 6 de mayo de 2008

Transplante cerebral (2007)


Era o primeiro dia após meu transplante de cérebro. Estava no corpo de um outro, da minha idade, que teve morte cerebral. Eu tive morte corporal, só sobrou minha cabeça, cega, mas inteirinha. Transplantaram-me pra um corpo até que bem conservado.
Eu ainda não estava ciente daquele meu novo corpo, estava fora de mim e fora dele ainda. Os meus olhos, entreabertos, tremelicavam livres de minha imatura vontade sobre eles, na frente dos meus olhos parados em direção a uma parede azul pálido decorado com a circoncisione de Pollock, algo de Wagner entrando em meu ouvido, som no qual eu não conseguia me concentrar muito assim como a pintura. Ainda estava semi-vivo.
Depois que tive consciência de estar em frente a aquele quadro, me senti totalmente seguro. Ainda alucinado, misturando momentos de fantasia, umas tristezas bem rápidas, uma impaciência quanto ao tempo que parecia se multiplicar várias vezes quando eu começava a tentar medi-lo (fazendo a retrospectiva dos meus pensamentos, que sempre pareciam ser articulados dentro de círculos) e, nos momentos mais felizes, querendo relaxar dentro daquela sensação que nunca havia provado, o inebriante de se saber estranho no próprio corpo; o quadro fora acerto meu com os médicos, antes da operação, deveria ser o que me tiraria daquele sonho gigante no qual fui induzido a entrar pelos anestésicos. A música seria ligada por eles após a abertura de meus olhos; esse procedimento foi repetido, ao acordar dos meus últimos 30 sonos profundos naquele meu antigo corpo morto.
Depois de quinze minutos entraram minha mulher, minha mãe e meu médico no quarto. Foram dois dias de coma profundo, sonhos longos que se desfaziam e me desesperavam durante uns minutos antes de perceber-me enquanto sonhante e me lembrava pelo que estava passando. Ali tive a sensação de chorar de alegria, por alguns segundos, mas a falta de olhos e lágrimas me esfriavam o peito; a imagem não vale tanto quanto sentir uma gota quente escorrer pela cara. E eu não senti, e logo me acostumei com aqueles que estavam em suspense por conta de meu destino amalucado, tive pena deles sentirem pena de mim.
Comecei a sentir como se montanhas se movessem, paredes fossem trituradas entre mim e aquelas pálpebras. As minhas pálpebras passavam a serem minhas lentamente, crescendo de importância a cada nova sensação de controle sobre elas. Era necessário fazer muito esforço só para me manter neste exercício estranho, mas apesar do meu cansaço eu não era capaz de parar. Comecei por interferir no nível de tremelicação sobre elas: quanto mais concentração nos olhos, mais tremelicação. Com o tempo elas começaram a se abrir mais, o suficiente para que eu percebesse que as pálpebras eram o menor dos problemas, os olhos mortos quase que sem movimento eram a própria angustia em carne de olho. E se eu não agüentava mais tal exercício, as pálpebras baixavam, eu tinha que fazer outro esforço abissal, agora para fugir daquela imagem congelada e imaginar, abstrair o máximo possível.
Tudo foi muito difícil, mas o transplante foi um sucesso. Agora, em pé e funcionando quase que perfeitamente (fora alguns tics que não sei se herdei ou criei), posso dizer que sou normal. Não fosse esse pau que cresceu uns três centímetros e me dá vergonha de mim mesmo e essa sensação de, quando toco nele, estar tocando num pau que não é o meu... Ah! Não fossem esses dois detalhes, eu estaria ótimo!

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