sábado, 3 de mayo de 2008
Carta Parricída (2006)
Pai, mato-te hoje por revanche. Sim, não tenho outro motivo que esta revanche avessa. Revanche sim, por ter me tirado do nada, do vazio que eu era e que não me incomodava, e me colocado num mundo estranho; o presente que me deu foi esta ladeira para baixo que é a vida, rumo ao precipício negro da morte. Pai, espero assim devolver-te para o lugar de onde me tiraste.
Porque, pai, resolveste ter um filho? Gostavas da vida ou acreditavas que eu poderia servir-te de consolo, uma ocupação, um brinquedo para te distrair dessa desgraça que também havias recebido de um outro inconseqüente? Foi isto, pai? Confirma-se a minha suspeita de que, cansado desta vida, entediado ou mesmo triste, resolveste colocar um outro neste mesmo caminho tortuoso e assistir como se virava?
Pois foi o azar em pessoa que criaste. Não o azar meu, que nasci azar e por isso não me incomodo; azar seu. Porque, ao contrário de tu, não tenho noção de mal ou bom, bizarro ou comum. Tu, ao contrário, segue com esta máscara do bom e normal; por detrás o medo da consciência de ser também mal e bizarro lhe devora a lucidez dia a dia. Eu sou marcado pelo seu pedaço podre, sou a tua treva viva. Por isso lhe presenteio o fim; não sei o que será realmente de ti, mas acredito que não terás mais medo. Sou seu azar por ser louco, como dizem todos, e por acreditarem todos ser minha loucura culpa sua; até você acredita ser culpado. Já eu acredito que não seja assim, mas não sei como é em verdade e minhas hipóteses são apenas o que são, hipóteses; assim seguimos, eu perdido, tu sofrendo e todos a julgar-nos. Por isso mato-te pai, não por revanche, por piedade.
Revanche talvez seja por achar que toda paternidade é imposição e os homens costumam acreditar que uma imposição pode ser respondida com outra. E existirá melhor vingança à paternidade que tirar-la a força? Eu não acredito em vingança, em revanche; para mim parece como considerar a vida um jogo de perde-ganha entre os homens, e eu não enxergo dessa forma. Se a vida fosse um jogo, e talvez seja, todo ele se dá dentro de mim, os outros homens são peças do jogo e não jogadores. Mas isso não importa; chamei de revanche, de presente piedoso, mas na verdade pai, te mato por que assim quero, é uma vontade apenas, uma jogada.
Esta minha carta suicida é o certificado de tua morte como pai. Escrevo-a num momento de estranha ansiedade e por capricho deixei que as palavras se deitassem sem corretivos. Peço desculpa pela minha inconsistência, mas tu já estas acostumado. Minha loucura foi seu azar, seu brinquedo machucou-te, e agora disparo uma bala na cabeça na esperança de voltar a minha paz da pré-vida, da qual me tiraste, inconseqüente! Mas perdou e até tenho pena de ti, da tua inconseqüência e ingenuidade. Minha despedida da vida é tua morte enquanto pai. Adeus, não sofras mais, estou apenas voltando para onde não deveria ter saído.
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2 comentarios:
vc é um gênio!
Que bom que você gostou jony, fico feliz. Só queria saber o porque, o que te faz pensar que isso é arte.
Eu gosto da força que se expressa no texto, do jogo de palavras, mas eu tenho uma relação tão perfeita com meu pai que não consigo imaginar os sentimentos que provocaria à quem se identificasse com meu personagem.
Os questionamentos referentes ao porque da paternidad e a exigencia de justificativa, transformação do ato reprodutivo em ato moral passível de juizo, também são coisas que eu gostaria de discutir...
obrigado!
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